Gordo de Raiz

Gordices em Recife

Crônica originalmente publicada em 20 de outubro de 2011 no Papo de Gordo.

Frevo, praias e pontes. Essas eram minhas principais lembranças de Recife, cidade que visitei há treze anos. Quando voltei à capital pernambucana no mês passado, percebi algumas mudanças: menos referências a frevo pela cidade (em ambas oportunidades fui em setembro, mas, mesmo longe do Carnaval, antigamente havia praticamente um guarda-chuva colorido a cada esquina), um trânsito absurdamente complicado (as ruas eram tão tranquilas em 1998…) e as praias sumindo (alguns trechos nem tinham mais faixa de areia!). Sem contar a quantidade enorme de placas mandando tomar cuidado com tubarões!

Claro que nada disso muda o fato de que Recife é um dos melhores destinos do Brasil. Há muita coisa legal por lá que vale a pena ser visitada. Porém, como eu já conhecia a cidade, deixei de lado os pontos turísticos clássicos. São muito legais, vale a pena e coisa e tal, mas eu estava com pouco tempo para passeios. Também já conhecia Olinda, um lugar muito bonito para se visitar (mas fica a dica de não interromper os menininhos que atuam como guias porque eles rebobinam a fita e começam a falar tudo desde o início). E, caso o único tubarão que você goste seja o Tutubarão, é só procurar que há praias sem peixes comedores de gente nos arredores.

De turismo não-gastronômico, fiquei apenas no passeio noturno de barco por baixo das pontes e duas praias distantes da capital (não que eu curta praia, mas fui pelo belo visual). Em uma, inclusive, me cobri de argila (haja argila!). Diziam que era bom pra pele, mas pra mim, na prática, foi divertido só pelo fato de que eu “esculpi” uma orelha de Spock. Quando secou, parecia tão natural que me senti um vulcano… not.

Para quem gosta de comer, as praias são uma opção a se considerar, já que em boa parte delas há uma “batalha” pelos consumidores que faz com que baldes de ostras e outros petiscos saiam por preços razoáveis. Não foi lá muita vantagem pra mim, já que não gosto de ostras (não gosto de bichos com mais “osso” do que carne, além de parecer bem nojento).

Por falar em comida, vamos logo para o que todo mundo quer saber: Onde comer em Recife? Apesar de ter um prefeito que não gosta de gordos, a capital pernambucana é uma cidade privilegiada do ponto de vista culinário, então não é tão complicado encher a pança por lá.

Como fazia algum tempo que eu não visitava o Nordeste, estava querendo uma comida típica. Minha esposa fez sua tardicional pesquisa e só encontrava elogios a um restaurante chamado Parraxaxá. O nome era promissor. Fomos à noite, quando eles servem a “ceia regional”. Era o paraíso! Uma infinidade de comidas típicas e, mais importante, uma quantidade indecente de doces! Logo em meu primeiro prato, taquei bolo de rolo, duas tortas e tapioca junto com a comida normal. No segundo prato, perdi a compostura: deixei de lado o jantar e fiquei só na sobremesa, misturando dez tipos de doce e me empanturrando que nem um doido.

Indico fortemente o Parraxaxá a quem quiser conhecer bem a culinária nordestina. Mas fica um alerta: não vá esperando um ambiente exatamente típico. É difícil de explicar, mas a sensação é meio estranha. Lá existem todas as características de um lugar com ar de tradicional, como mesas rústicas, garçons fantasiados de cangaceiros e detalhes de decoração que remetem aos estereótipos que um turista espera de um lugar desses, mas as coisas são tão “perfeitas”, tão “montadas”, que fica a mesma sensação de quando alguém visita um “país” no Epcot Center: o visual tem um quê de fake. Claro que isso não atrapalha em absolutamente nada a experiência gastronômica.

Outro restaurante que vale a pena visitar é o Entre Amigos, cujo “sobrenome” é, apropriadamente, O Bode. Nesse restaurante, você encontra pratos como picanha de bode, pernil de bode, bode ao molho de catupiry, super bode guisado, paella de bode, escondidinho de bode, baby bode (!) e, claro, a clássica buchada de bode. É tanto bode que eu tenho quase certeza que vi escrito “sorvete de bode” em algum lugar. Se não fizeram isso ainda, fica a dica.

Pra começar experimentei a picanha. É uma carne bastante saborosa e boa de se comer, mas, honestamente, não chega aos pés de uma picanha de boi mal-passada. Já a linguiça, que encarei na sequência (no bom sentido, sem metáforas, no estilo “charuto do Freud”), era muito boa. Por fim, pedi o coração de bode! Desde que escrevi minha elegia ao coração de galinha e, nos comentários, um leitor disse que havia outros corações comestíveis, me propus a dar uma de Mola Ram e sair pegando corações variados por aí.

Coração de bode lembra, visualmente, um bife de fígado muito bem passado (felizmente, só na aparência). O sabor, contudo, é muito semelhante ao do coração de galinha, tanto que comi feliz da vida sob o olhar cheio de nojo da minha irmã. Foi um pouco estranha a sensação de comer um coração com garfo e faca (geralmente, pego cinco no espetinho e vou mastigando tudo junto), mas foi uma experiência interessante que eu certamente repetirei. Portanto, retiro o que disse quando afirmei que só os galináceos possuem um coração bom de se comer (ainda considero o melhor de todos, mas admito que não é o único “comível”).

Minha última atividade recifense foi na Sala de Reboco. Na verdade, esse lugar não é um restaurante, mas uma casa de forró que serve umas comidinhas. Como eu sou tão bom dançarino de forró quanto Genival Lacerda, preferi ficar quietinho na minha, comendo um escondidinho de carne seca decente enquanto via um velhinho indecente seguir um ritual: ele chamava uma moça para dançar, levava a ditacuja para o meio do salão e começava a aproveitar todas as chances para encoxar a desavisada. Durante o tempo em que fiquei lá, ele repetiu o procedimento umas cinco ou seis vezes. Parecia que estávamos assistindo ao vivo um quadro do Paulo Silvino no Zorra Total.

Portanto, querido leitor do Papo de Gordo que adora bancar o turista gastronômico, não deixe de dar um pulo em Recife para conhecer seus doces, seus bodes e seu velhinhos tarados que dançam forró. Sua viagem jamais será completa sem essas experiências (no caso do velhinho, de preferência só assista; mas se você quiser ser encoxado, o problema é único e exclusivamente seu).

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