Gordo de Raiz

Mens sana in corpore gordo

Crônica originalmente publicada em 14 de outubro de 2009 no Papo de Gordo.

Sala dos professores. Fim de tarde. Uma professora exausta descansa no sofá. Outra, também cansada, adentra o ambiente. Começam a conversar.

– Menina, finalmente você apareceu! Foi muito trabalhosa essa festinha do dia das crianças! Estou morta!
– Nem me diga. Estou até torta de tanto segurar criança.
– Sorte sua que não é professora do Gumercindozinho. Aquele menino avança nos doces que nem um maluco e haja braço pra segurar aquela bolinha.
– Ele foi da minha turma ano passado. Sei bem o que você está passando. Quando eu era professora dele, quase quebrei a perna ao tentar segurar o menino antes que ele derrubasse três coleguinhas igual uma bola de boliche.
– E o Astolfozinho? Aquele menino só pode ter problema glandular! Nunca vi criança de oito anos tão pesada!
– Culpa dos pais, que não sabem educar! E a Antonietazinha? Se aquela menina continuar pançuda assim nunca vai arrumar namorado!
– Mas ela só tem sete anos.
– A criançada hoje anda muito precoce. Acredita que a Josefinazinha já andou agarrando uns meninos pra dar beijinhos?
– Gordinha daquele jeito, só mesmo agarrando à força. Ela podia ter uma noção de que tem um corpo esquisito e tentar fechar a boca, tanto pra comer quanto pra dar beijinhos. Se eu pudesse, enfiava maçãs e peras goela abaixo dessa meninada. Mas eles só querem saber de doces e refrigerantes.
– Só tem dois magrinhos na minha turma. A Antonelazinha, por exemplo, é um amor. Está atrasadíssima nos estudos e nem sabe desenhar seu nome, mas é uma belezinha de tão magrinha.
– Quem dera eu tivesse uma filha assim. Bonitinha daquele jeito podia até ser modelo. Já o Ferdinandozinho, coitado, até aprendeu sozinho a fazer contas que só vou dar no final do ano, mas é uma baleia de tão gordo. Não vai ser ninguém na vida se continuar assim.
– Acho que esse é o dia das crianças mais triste da minha carreira de educadora. Nunca vi tanta criança gorda. Dá até nervoso.
– Culpa do videogame! Eles ficam jogando videogame e bebendo Coca-Cola o dia todo! Dá nisso!
– No meu tempo não era assim. A gente brincava, corria, pulava. E, principalmente, respeitava os professores!
– Exatamente! Acredita que o Ferdinandozinho chorou só porque eu não fiz o que ele queria e a mãe ainda veio tirar satisfações comigo?
– E o que ele queria?
– Fizemos uma pecinha sobre Peter Pan e ele queria porque queria ser o personagem principal. Ele até sabia todas as falas de cor, mas gordo daquele jeito não podia ser o protagonista, né? Ele só ia convencer como personagem voador se fosse o Dumbo! Hahahaha…
– Hehe… Mas por que a mãe reclamou?
– Oras, ela disse que o menino que fez o Peter Pan ficou lendo um papel com os diálogos o tempo todo enquanto o filho dela, que havia decorado tudo, fez papel de árvore. Mas o que eu podia fazer se o melhor garoto para o papel não conseguia decorar as falas?
– Essas mães são muito permissivas. Imagina que outro dia a mãe do Juvenalzinho reclamou com a coordenadora que eu deixei o menino de fora de uma brincadeira!
– Qual brincadeira?
– As crianças queriam brincar de esconde-esconde no parquinho, mas o garoto não ia conseguir se esconder em nenhum lugar sendo daquele tamanho todo. Ele parece um porquinho. Tem até cofrinho, hehehe… Mandei ele ficar desenhando na sala pra não se sentir excluído pelas outras crianças. Só isso já foi motivo para vir mãe e pai na escola.
– Com os pais se metendo assim fica difícil educar as crianças… Mas, mudando de assunto, como vai o regime?
– Fugi um pouco esses dias. Não dá pra resistir a tanto doce, não é verdade? Mas estou me controlando. Logo logo chego nos dois dígitos.
– Eu também devo conseguir baixar para os dois dígitos em breve. Felizmente somos adultas e sabemos nos controlar melhor que esse bando de rolhinha de poço dos nossos alunos.
– Ah… Já avisaram que vão mesmo aproveitar que o dia dos professores cai na quinta para enforcar as aulas na sexta. Que tal comemorar o feriadão extra no rodízio de pizzas?
– Maravilha! Estou com uma fome de cão! Me enchi de guaraná durante a festinha do dia das crianças e você sabe como isso abre o apetite! Vou comer até não aguentar mais!

PS: Essa é uma obra de ficção. Nenhum professor jamais, em tempo algum, falaria assim de seus alunos. Imagina. De jeito nenhum. Nem pensar. Tá louco?

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